“O santo padroeiro da Inglaterra é um tal Jorge de Capadocia, homem de vida airada, aventureiro, correndo de lado a lado como um sem pátria. E os ingleses fizeram dele o seu padroeiro, o chefe simbólico de sua cavalaria. E’ da natureza dos normandos, celtas e saxões, fundidos num só corpo, esse pegadio com a vida nos seus contrastes. Nada para eles é seco como uma fórmula de álgebra, como um teorema; tudo é assim - como esse Jorge que tomaram para padrinho, homem que poderia ser salteador de estrada e terminou como santo da Igreja”.
Este pequeno trecho escrito por José Lins do Rego para o Prefácio de Ingleses, um livro de Gilberto Freyre, de 1942, ano em que foi preso no Recife, por ter denunciado em um artigo publicado no Rio de Janeiro, a existência de atividades racistas e nazistas no Brasil. Esse livro foi dedicado à Sir Stafford Cripps: “...para quem se voltam hoje as melhores simpatia dos que separam a causa anglo- americana dos interesses plutocráticos de Londres e Nova York.” Suas palavras admiráveis e atualíssimas, me fizeram pensar quando cheguei à Inglaterra em 01 de Janeiro de 1998, Dia da Confraternização Universal. A neblina densa e fria cobria as ruas de Londres, estávamos em pleno inverno . De repente um sol tímido apenas a espionar as bordas azuis acinzentadas da cidade para nos dizer bom dia, e voltou rapidamente a se esconder. Acho que também ele estava morrendo de frio. Londres assim, em pleno inverno, com aquela névoa, me lembrou um velho parque industrial, tipicamente inglês daquelas conhecidas fotografias. Esperando o ônibus que nos levou à Hastings, o murmúrio do vento gelado parecia trazer a melodia suave dos Beatles cantando Yesterday / All my troubles seemed so far away / Now it looks as though they're here to stay / Oh, I believe / In yesterday… fiquei pensando neste país ‘miracoloso’ que é a Inglaterra “ (...) na ilha de homens que são os mais práticos da terra, os mais românticos do mundo, gente que penetra na vida como sonda e que é, às vezes, cortiças boiando sobre as águas”, como os viu José Lins. A Inglaterra de tantas histórias, de seus reis e rainhas, uma cultura que forma os pequenos, desde o berço, incorporando os valores dos mitos, lendas, e personagens; o rei Artur e os seus Cavaleiros da Távola Redonda, o velho mago Merlin oculto nas névoas de Avalon, só aparecendo para ajudar a salvar o reino de todos os perigos. E Hobin Hood? O ladrão de todos os ladrões, que escondido na floresta de Sherwood, em verdadeiro ato de desobediência civil, combatia com os seus companheiros o usurpador príncipe John e o malvado xerife de Nottingham e sua turma da pesada, procurando ajudar a restauração do Rei Ricardo Coração de Leão; ou seja, um "fora-da-lei", homem comum do povo e seus semelhantes, lutando contra um regímen autoritário, para reestabelecer a Lei e a ordem real. A Inglaterra do grande Shakespeare, de Charles Dickens, Thomas More, Percy Bysshe Shelley, George Eliot, Adam Smith, Oscar Wilde, James Joyce, e tantos outros da Escócia, da Irlanda, mas profundamente ingleses no seu pensamento e no seu coração. A Inglaterra dos Beatles, Strawbs, The Moody Blues, The Who, Pink Floyd... Saudades deste país de fábulas, de romances, de piratas, aventureiros que só habitam as ruas, assim como nós conhecemos, a noite, entre Maio e Outubro, o restante do ano Londres é apenas a melancólica paisagem do deserto inverno anglo-saxônico. Nada como o encanto suavizador e meigo dos meados de Agosto na praia de cascalhos em Hastings. Ou, então, um passeio, ao meio da tarde, nas luzes e sombras; verdadeiramente pitorescas; das margens do Canal da Mancha. Ou ainda ao longo dos campos de Avon, com Shakespeare nas mãos, lendo e ouvindo a música das palavras se tornar uma coisa quase sagrada; ou pelas colinas de East Sussex, o mais belo, o mais útil repouso que pode ter o espírito sobressaltado, cansado do duro movimento da vida.
“...O inglês soberbo, forrado de puritanismo, conquistador de mundos, pragmáticos, solene, duro, o inglês da convenção, dos retratos de artifício, esse não nos interessa conhecer, porque como uma ficção de romancista medíocre é um homem todo de um lado só, com os mesmos modos de vestir, com os mesmos tiques, as mesmas reações morais. Esse inglês sem profundidade é o que passa pela nossa cabeça logo que nos lembramos dos ilhéus da Grã-Bretanha. Mas este é inglês, como os outros, os ingleses reais, homens de vida agitada, sofredores, poetas, sábios, mágicos, Nelson, Byron, o Dr. Johnson, Carlyle, David Cooperfield e, como uma súmula de toda a humanidade, Shakespeare. Sim, como uma súmula da humanidade, como um ponto de contacto que todos os homens do mundo têm com a Inglaterra...”
De uma coisa se pode ter a certeza: Além dos livros que contam a história, dos escândalos que não hão de faltar, das modas que sempre inventam, e que são copiadas pelo mundo inteiro, da política, só por si ; uma revolta certa na Irlanda; novas guerras na Geórgia, Rússia, Afeganistão, em grande parte da África, uma só rebelião, complicações efervescentes de todo o lado no Oriente Médio, apesar das políticas equivocadas do próprio Tio Sam e inimizades estridentes entre os radicais no poder, para além de tudo, enfim, o mundo tem sempre uma certeza: como dizia Emerson “Os ingleses são homens que se mantém firmes em suas botas”.
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