terça-feira, 3 de março de 2009

O Cavaleiro de La Mancha


Por: Lucyana Ruth


Hoje, vamos ver Dom Quixote, o engenhoso Fidalgo de La Mancha; revolucionário, contemporâneo e filho dos sonhos e das dolorosas aventuras de Miguel de Cervantes Saavedra, homem de vida heróica em sua mocidade e que depois, para ganha-la, escreveu para o teatro, tentou um romance pastoral, La Galatea, e a poesia, Viaje del Parnaso, encontrando a glória em Novelas Ejemplares e Don Quijote, o nobre cavaleiro andante, ainda que a intenção inicial do autor fosse para a sátira, ao escrever sobre as suas lutas com o mundo e seu perfil de homem dividido entre o sonho e a realidade. Dom Quixote e Sancho Pança, o ideal e o real, a fantasia e o senso prático, envolvidos por um mundo que não permite a existência do herói, naquilo que ele tem mais expressivo, a sua nobreza. Don Quixote é fundamentalmente um homem puro, bom. Assim é apresentado por Olavo Bilac, em uma de suas mais belas páginas, uma Conferência no Real Gabinete Português de Leitura, em 12 de Junho de 1905. Bilac, amado por sua lírica, sua poesia, é pouco conhecido pela prosa correta, elegante e rara, amorosamente buscada neste texto, no fundo do seu coração de poeta, onde suas idéias e o seu português castiço nos envolvem límpidas e claro, a razão e o espírito. Sentimos sua melancolia ao descrever a sina de Cervantes e ficamos tristes com ele, depois, a esperança, o resgate, a vitória, ainda que fatal, e o mestre nos devolve a felicidade. Cervantes é um homem santo e será lembrado para sempre.

Em nossa sociedade de hoje, sua presença é tão fortemente necessária, no percurso desta trágica aventura humana pela conquista da liberdade e muitas pessoas desconhecem seu valor neste mundo cada vez mais materialista, que não admite as lúdicas brincadeiras da infância. As frases que mais ouvimos desde pequenos na escola é para que "sejamos práticos ou realistas" , que no mundo como o de hoje, uma sociedade integrada, devemos formar, ao invés de crianças felizes, tecnocratinhas, mini- adultos que têm vergonha de brincar; onde apesar de toda a bagagem tecnológica, e toda a teoria, nunca conheceram uma vaquinha de perto, um bezerrinho, quase nada da natureza, nada de chuva, água da fonte, pio de coruja. Todo erro é reprimido com gozações dos colegas. Uma criança que já nasce destinada a uma profissão ou para uma determinada Universidade, conforme a vontade dos pais, as exigências, oportunidades do mercado. Desrespeito, falta de berço, de educação, é irreverência; gritos e grosseria, é liderança, e por aí vai. A insegurança natural de exprimir algumas palavras é taxada de dislexia, caso para fonoaudióloga; o amadurecimento mais lento, mais conforme as suas próprias naturezas, menos conforme o padrão, é entendido como problemas de retardamento na sua evolução. A criança pura, é vista como boba e tudo isso é assunto para psicólogas. Para tudo e para todos, rótulos , parâmetros comuns, diagnósticos, patologias. Enquanto isso, aquele pequenino ser humano é abafado, impedido de se manifestar e ser conforme o seu tempo. Aonde o lúdico, as brincadeiras de pular corda, amarelinha, chicotinho queimado, elefantinho colorido, passa anel, seu lobo, e inúmeras cantigas de roda. Afinal isso só é valido nas telas de cinema, e para os meninos perdidos da terra do nunca. Para a maioria tudo isso é bobagem; é preciso fazer curso. Tome inglês, ballet, judô, natação, capoeira, pintura, música e outros tantos conforme a moda e a aptidão do gênio. No mais, computador, vídeo games, TV e celular. E tudo ao mesmo tempo. E os heróis e a nobreza? E o Fernão Capelo Gaivota? Isso é assunto dos livros de estória, filmes de cinema, é difícil reconhecê-los nos lugares, nas ruas, no dia-a-dia, sentados ao seu lado. Uma pessoa nobre? Oh! não! Nós não estamos acostumados. Em um mundo onde só o dinheiro tem sentido e a precocidade é a exigência dos pais: "meu filho, meu gênio, minha poupança, meu investimento". Realmente estamos na Idade média e D. Quixote torna possível o renascimento. Eis porque a sua atualidade, o seu valor.