terça-feira, 26 de agosto de 2008

Reencontro com Machado de Assis


Em homenagem ao centenário de morte de Machado de Assis, reproduzo aqui o artigo que escrevi para o meu Jornal O Monitor ( www.omonitor.info)




Reencontro com Machado de Assis

por: Lucyana Ruth

“Daqui a pouco será crepúsculo. O sol, em fins de tarde de outono, estará brilhando morno sobre o Rio de Janeiro. Irá bater com sua luz nas janelas fechadas de um prédio antigo, no Cosme Velho. Ninguém atenderá, porque o dono da casa, viúvo e solitário, saiu para um último passeio, e não vai voltar.


Machado morreu de madrugada, após cinco meses de dores e quatro anos de solidão. Perguntaram-lhe se não queria fazer vir um padre. E ele, que não entrava na igreja desde o dia de seu casamento, respondeu a custo, pois que a língua ulcerada lhe doía e pesava na boca: “Não. Isso seria uma hipocrisia”. Era 29 de setembro, 1908. Faltavam quinze minutos para as 4 da manhã (...) . ”


O texto acima, extraído do fascículo dedicado a Machado de Assis, n.16 de Os Imortais da Literatura Universal, da antiga Abril Cultural, é um trabalho da escritora, tradutora e ensaísta paulistana Hildegard Feist. Está aqui reproduzido por sua qualidade, lição de beleza e concisão; a arte para descrever, talvez, o momento supremo da vida do nosso maior artista literário, Joaquim Maria Machado de Assis.


Recebi para publicar nesta edição em Crônicas do Lisboa, Viagens em Busca da Alma, do escritor, amigo e mestre Luiz Carlos Lisboa. Além de refletir sobre a delicadeza com que devemos nos aproximar da essência das coisas para buscar conhecê-las, lembra e homenageia Machado, por ocasião do centenário de seu falecimento. Pensei: - Porque não prestar também O Monitor, uma homenagem a esse escritor imortal, muitas vezes personagem de suas personagens, o primeiro prosador de nossa língua, seu maior e mais completo homem de letras. Autodidata, apaixonado pelos livros , contista e romancista, está no time dos grandes gênios da literatura mundial, a espera de novas edições e traduções nesta época de comunicação global. Foi também poeta, crítico literário e teatral, dramaturgo, ensaísta e um jornalista respeitado, que superou todas as suas circunstâncias: era um mestiço, míope, gago e epiléptico, foi órfão, era pobre, nascido no morro do Livramento. Isso tudo engendra muitas dificuldades, tanto no Brasil de hoje como no de então. Machado, sempre foi um gênio, mas na segunda fase, foi o escritor completo, consciente da sua condição de homem ; plenamente realizado na vida, no amor e na arte. Dominou como poucos o seu idioma, que enriqueceu e ajudou a recriar, com a experiência de ávido leitor, tradutor, trabalhador incansável. Nos contos e romances, suas obras imortais, perenes, se aproxima, se debruça delicadamente nos profundos recantos de nossa alma, observa e reflete sobre os atos que praticamos consciente ou inconscientemente em nosso dia-a-dia, nossas crenças, mitos, convicções, desvendando também o âmago das pessoas, através da fineza com que nos observa como tipos psicológicos, como todo clássico, de maneira atemporal, e com tudo isso, compõe as tramas e suas personagens . Essa ascensão ele muito deveu a Carolina, seu amor, mulher, mãe, enfermeira, cinco anos mais velha que o escritor, madura, inteligente e culta; com ela se casou em 12 de novembro de 1869. Foram trinta e cinco anos, enamorados, lendo e escrevendo juntos, no quarto, nas salas e na varanda da velha casa, passeando de mãos dadas, eternos companheiros, pela Praça, pelo Largo, pelas ruas do Cosme Velho.


“ A estada em Friburgo, na paz das montanhas, fê-lo rever certos valores e posições e enveredar por novos caminhos. O sol não deixava de luzir sobre os campos, nem os passarinhos paravam de cantar só porque Joaquim Maria tinha dores ou se contorcia em ataques epiléticos. E ele concluiu que o homem está só, pobre chocalho da inveja, do ódio, da ambição. Que a natureza é indiferente e absurda. Que a vida é amarga e fugaz. E que, diante da miséria humana, não vale a pena chorar; o melhor é rir - um riso amargo, não importa - e contemplar. Essas convicções sempre o acompanharam, mas só se firmaram clara e definitivamente após o retiro nas montanhas fluminenses, em Memórias de Brás Cubas(...)”.


Desejo a todos uma boa leitura. Termino esse editorial com um pensamento do mestre, no seu ultimo livro revisado por Carolina: “ Tudo acaba, leitor; é um velho truísmo, a que se pode acrescentar que nem tudo o que dura dura muito tempo.”

Um comentário:

Carol disse...

Parabéns pelos artigos. Mas não surpreende a sensibilidade presente em leitores de Machado de Assis.


PS: Li seu comentário acerca do filme do Fernando Meirelles e vim prestigiar seu blog. Aguardo ansiosa pelo filme, após uma leitura angustiante....


abraços,

Caroline